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FAHRENHEIT 451 – RAY BRADBURY

06/04/2018


De boas intenções o inferno está cheio e de boas ideias mal executadas também. Há tempos não sentia essa urgência, outrora tão comum, em escrever sobre livros. Ironicamente, Fahrenheit 451 me trouxe de volta essa inquietação, talvez pela iminência de tudo acabar se tornando cinzas dispersas ao sabor do vento. Digo ironicamente porque o livro é fraco justamente por sua não funcionalidade, por perder-se antes mesmo de ter se encontrado.

Fahrenheit 451 se desenvolve num cenário (pseudo) distópico no qual a única diferença de mais destaque que podemos perceber é o trabalho às avessas dos bombeiros. Os livros são terminantemente proibidos nessa sociedade recortada e quem for pego transgredindo a regra básica tem sua casa, com livro e tudo, carbonizadas até as fundações justamente pelos bombeiros, cuja única função nessa salada é queimar tudo. Pausa para aplaudir a ideia de Bradbury de fazer um jogo das cadeiras e trocar as posições e funções dos elementos na narrativa. Fim da pausa porque essa é definitivamente a única boa ideia apresentada e, ainda assim, perde toda sua originalidade no desenvolver da trama e, principalmente, da escrita do autor.

O personagem principal de Fahrenheit 451 é Montag, um bombeiro que começa a ter crises de identidade no exercício da sua função. Tem o estalo de perceber que algo está errado quando, numa das ocorrências de bombeiro (ou seja, tocar fogo em algum lugar), uma senhora recusa-se a abandonar sua casa e biblioteca preferindo queimar junto a eles. Nessa confusão (dedo no cu e gritaria), nosso protagonista nota, com surpresa, que um livro caiu bem na sua mão e no meio da balbúrdia, ato contínuo, resolve escondê-lo ao invés de queimá-lo.

Memórias do Subsolo – Fiódor Dostoiévski

12/03/2017

Dostoiévski me adoece. Não sei o que acontece comigo ou porquê, mas ler Dostoiévski me afeta fisicamente. Até mesmo uma novela é capaz de me prostrar, e foi exatamente isso que Memórias do Subsolo fez comigo. Derrubou-me. E aqui corroboro com uma das primeiras ideias do livro, a do sentir prazer na dor. Nenhum outro conseguiria se alicerçar tão firmemente entre paradoxos e permanecer caminhando a passos duros no abismo. Dostoiévski é o meu abismo, a atração é irresistível e a cada investida meu reflexo torna-se menos opaco. Em algum momento ele vai me olhar de volta.

“Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável”. Assim inicia-se Memórias do Subsolo. Num monólogo que vai se desdobrar em mil e um questionamentos, que vai se desenvolver e vai quebrar-se em outros tantos pensamentos filosóficos, vai se afirmar e se contradizer. Esse começo me lembra muito o movimento das ondas, às vezes mais calmas, apenas tocando as pedras, cobrindo-as como um lençol, então retrocedem e avançam mais uma vez com uma intensidade completamente diferente e chocam-se com seja lá o que estiver no seu caminho. Repetindo, sobretudo, como o homem é caprichoso. Que por mais que se pavimentem caminhos sensatos e racionais por onde possamos transitar sem maiores extravagâncias não é essa racionalidade coletiva e inexpressiva que nos excita, que nos instiga. Ao contrário até. Precisamos apenas de uma vontade independente, que vá mesmo de encontro a tudo quanto for sensato e racional. Um capricho.

Um, dois e já

19/04/2015

Uma sensação, que me acomete com certa frequência, é a amarga percepção de que a vida está passando por mim como se eu fosse uma presença incorpórea e desimportante. Como se essa existência estivesse passando ao meu lado, quase como se eu a pudesse tocar, mas por mais que eu me esforce na tentativa de esticar cada vez mais o braço, é inútil. Eu continuo caminhando, continuo rumo a algum lugar que desconheço, mas não faria diferença se eu, conscientemente, decidisse me manter parada, porque tudo ao meu redor segue em uma velocidade vertiginosa que, simplesmente, não consigo acompanhar. E, por mais que eu corra, sou sempre a que fica para trás. Pensamentos como esse redemoinhavam na minha cabeça mesmo antes de ter um encontro com “Um, dois e já”, da uruguaia Inés Bortagaray e só aumentaram de intensidade quando, nas primeiras páginas, me deparo com o seguinte trecho:

“Um, dois, três, quatro, catorze postes. Quinze, vinte, trinta e seis, cinquenta e cinco postes. Os postes se movem e eu estou quieta. Avançam para trás, em direção ao que já passou. Mesmo que meu pai parasse de dirigir, se ele se negasse a acelerar, freasse de repente, esses postes e essas linhas seguiriam viagem.”

Não sei se minha relação entre uma coisa e outra faça algum sentido, ou na verdade talvez eu saiba que não faz sentido algum e só precise criar interpretações que expliquem minha identificação com postes. Curioso que Um, dois e já é o tipo de livro passível de ser lido em poucos minutos e pode ser facilmente esquecido depois, mas, contra tudo que eu esperava, nesses poucos minutos – os quais tive que estender por meses – fui confrontada a extrair dessas poucas páginas mais de mim do que uma simples e curta história de ficção. Talvez esse mix de emoções já estivesse pronto para emergir e Um, dois e já se tornou o catalisador poderoso que me permitiu colocar tudo para fora.

Uma dose de literatura infantil

01/03/2015

Vários gêneros literários são relegados ao que alguns insistem em chamar “baixa literatura”. São eles o policial, a fantasia, a ficção científica e – aquele a que pertencem as duas obras de que tratarei aqui – a literatura infantojuvenil. Felizmente essa realidade de diminuir aquilo que não se encaixa em moldes engessados, é algo que vem mudando gradativamente. E para exemplificar a qualidade presente nas obras do gênero, trouxe dois livros recentemente editados aqui no Brasil que, sem dúvida, hão de mudar a concepção até do mais duro coração no que concerne a literatura infantil.

 
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